19º Capítulo (e último)
Hong-Kong, Amesterdão, Lisboa e Fontanelas - sexta-feira, 25 de março de 2005
É dia de
regressar à Europa.
Estou
saturado do Oriente e das suas particularidades. Já apetece entrar na rotina e
normalidade da vida Fontanelense. A nortada de março, o reboliço marítimo, a
chuva na festa da Páscoa e a comida saloia quente, tudo me está a parecer idealmente
confortável e altamente desejável.
A China é
populosa, barulhenta, lotada, confusa, competitiva e saturadora. Tudo mexe a um
ritmo frenético como se do último dia da vida se tratasse. Para este saloio
nascido e criado na aldeia de Fontanelas isto é reboliço a mais.
Tinha voo
marcado para as 10h00 da manhã, pelo que era imperioso levantar cedo e chegar
ao aeroporto de Hong-Kong por volta das 8h00. Tarefa complicada se
considerarmos o trânsito caótico de Hong-Kong. Fiz o check-out às 6h45, não sem
antes me informar que transportes teria que apanhar. Táxi e comboio. Por volta
das 8h00 já estava a fazer o check-in do voo no Boeing 747 da KLM com destino a
Schiphol, Amesterdão.
Com os
níveis de cafeína no “red line” ainda procurei no aeroporto algum embaixador desta
droga por terras do oriente. Encontrei!!! Starbucks. De imediato, e quase em
“delirium tremens cafeínico” pedi um expresso, ao qual a menina da caixa me
exigiu, de imediato, 38 HKD (Hong Kong Dollar). Pagaria nem que fosse 100 por
um café expresso. A menina da caixa, como já tinha acontecido na véspera no
outro Starbucks, pediu o café à colega em chinês, a colega perguntou mais
qualquer coisa em chinês, a moça da caixa respondeu em chinês e eu a ver navios
e chávena para cá, chávena para lá. Resultado: Um cariocazito acastanhado que
nem sabia a café. Desisto. Na China não há café!!!
12 ou 13
horas de voo depois, por volta das 3 da tarde (ganhei 8 horas em fuso horário),
estaria a aterrar na Europa, onde um airbus da TAP me levaria de regresso a
Lisboa. Até que enfim, Portugal. A ponte sobre o Tejo, ou 25 de abril,
encarregou-se de me humedecer os olhos. Logo de seguida encarei o temor da
trepidante aterragem como um simples balançar dum berço embalado, uma cama
quente, um mergulho morno na Praia da Aguda. Que viagem!!!
Sozinho
durante quase quinze dias a palmilhar a China, cidade após cidade, fábrica após
fábrica, feira após feira, hotel após hotel, finalmente de regresso a casa.
Curioso que o que mais me custou não foi a ausência de comunicação, pois acabei
por desenferrujar o inglês onde foi possível. Foi não comunicar em português ou
com alguém que partilhasse comigo valores, ideias, opiniões. A dificuldade na
comunicação é uma constante e provoca afastamento, isolamento. A cultura
chinesa, nas grandes cidades por onde andei, assemelha-se ao comportamento de
qualquer metrópole onde o individualismo e a competição perduram e florescem.
Hong-Kong, Shenzhen, Ningbo, Cixi, Guangzhou, Huizhou são cidades onde as
pessoas, na sua maioria, sobrevivem, procurando desesperadamente o “El Dorado” sonhado
através dum emprego mal remunerado, a viverem em cubículos pouco maiores que a
cama onde se deitam e com uma casa de banho comum para 20 pessoas.
Depois de
ver e vivenciar estas realidades, chegado a Fontanelas e sentir o cheiro da
minha terra, circular na minha terra e retomar os meus hábitos diários na minha
terra, com segurança, abrigo, conforto e restantes mordomias, fez de mim um dos
seres humanos mais contentes ao cimo da terra naquele momento. Fiquei eufórico.
Para
encerrar com “cerejinha no topo do bolo”, fui, nessa mesma noite e com toda a
parcimónia, usufruir dum cheiroso, saboroso, aveludado, com acastanhado creme,
numa chávena aquecida previamente, café expresso ao Camacho’s Café Bar,
repondo, ao fim de quase duas semanas, os tão desejados níveis de cafeína
perigosamente em défice.
Nunca um
simples café me tinha sabido tão bem.
Ao beber
aquele simples café expresso senti, naquele preciso momento que, finalmente, tinha
chegado a casa.
Boas
viagens.